(Homenagem a Julio Cortázar)
Excelentíssimo senhor Diretor da Sociedade Protectora dos Animais Imaginários,
Somos um grupo de ovelhas que temos uma vida muito triste: vivemos encerradas num curral quase todo o dia, a única coisa que podemos ver são os muros, o nosso amo e o cão. Passamos o dia a dar leite e quando parimos um filho tiram-no-lo. A mesma coisa se passa com a lã que nos extraem no verão. É certo que nos aliviam bastante do calor, mas não beneficiamos do que é nosso.
Um dia o nosso amo esqueceu-se de fechar a porta, e visto que ali não se encontravam nem ele nem o seu cão… saiu uma de nós de cada vez, muito sorrateiramente, para o rafeiro não ouvir os nossos passos. Que bom é poder estar em liberdade! Que grande sensação! Todas brincávamos, saltávamos e meeeeávamos, alegremente…
Já íamos longe, quando se ouviu um ladrar bastante furioso:
– MÉÉÉle… fugir! – Todas desatamos a dar às perninhas (…). Até que, depois de tanto corrermos, chegamos a um imenso prado verde, onde apareceu uma pessoa com uma venda num olho que não parava de dizer isto:
– Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
– De facto, se olharmos à nossa volta, todos estes campos são verdes, mas aquela venda no olho deve-o deixar daltónico, todos sabem que os limões são amarelos! E depois ainda nos chamam a nós néééscias.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
– Mééé, isto é verdade…
Ovelhas, que nela
– Ah! Está a falar de nós…!
Vosso pasto tendes,
– Não, está a falar para nós!!!
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
– E que traz a Primavera,
E eu das lembranças
Do meu coração.
– As lembranças, isso é lá com ele… Cada um sabe das suas.
Gados que pasceis
Com contentamento,
– Com muita alegria, sim!
Vosso mantimento
Não no entendeis;
– Mééé …. não???
Isso que comeis
Não são ervas, não:
– Então!?
São graças dos olhos
Do meu coração.
– Isso não sabemos, não…
Pouco depois deste homem se ir embora, apareceu o nosso amo e o rafeiro e conseguiram apanhar cinco companheiras. Nós, as que ficamos, vivemos na clandestinidade, e é por isso, senhor diretor, que lhe escrevemos esta carta, para que nos ajude a encontrar esse tal homem misterioso, junto de quem certamente estaremos seguras e que, sem dúvida, nos ajudará a acabar com a injustiça da nossa prisão.
Atenciosamente,
As ovelhas errantes.
Diogo Ribeiro,11