Fui obrigado a fugir por razões que não posso revelar. Fugi do meu país, rumo à floresta da Amazónia, tentar sobreviver tempo suficiente até arrefecerem os ânimos, o que durou cerca de um ano.
Não tive dificuldades, fui treinado para aguentar situações destas, mas para grande surpresa minha, quando explorava a floresta para ver até onde era possível ir sem me perder na vegetação, encontrei uma grande parede de tijolo com uma placa a dizer “Terra das expressões idiomáticas” (estranhei a placa estar em português) e um grande portão escancarado em metal. Curioso, entrei, e a primeira coisa que vi foi uma criatura sem pés nem cabeça a fugir com o rabo entre as pernas de uma ave de mau agouro.
— Okaaaaay? Mas que raio foi aquilo?
Estranhei de novo, mas decidi continuar a andar, para ver se encontrava algo que me pudesse ajudar a passar o tempo de que precisava até que as coisas acalmassem.
Passou por mim uma mosca e, enquanto eu tentava enxotá-la, uma seta rasou-me a mão e a cara, espetando-se contra a parede de uma casa. Ouvi logo de seguida uma voz a gritar:
— NA MOSCA!!!
Quando reparei, a seta trespassava em cheio nela, algo que não achava que fosse realmente possível.
— Peço desculpa. Não o magoei pois não?
Quando olhei para trás, estava um rapaz. Não devia ter mais de 8 anos, mas chocou-me o facto de ele não ter a boca onde devia. Ele falava pelos cotovelos. O cotovelo que abria e fechava, deixava à vista uns dentes bem afiados que quase pareciam cortar o músculo que estava milímetros atrás, havendo até uma pequena abertura de onde se podia ver o osso. O rapaz repetiu a pergunta, à qual respondi balbuciando:
— N-Não, não me magoaste. Diz-me, têm alguém que governe esta cidade?
— Temos sim – dizia ele pelo cotovelo. — O Testa de Ferro.
— Testa de Ferro? Porquê esse nome?
— Ora, porque será? Tem uma testa de ferro…
— E onde é que o posso encontrar?
— A minha mãe disse-me que ele ia hoje para a praça fazer um discurso para a sua reeleição. É seguir em frente e virar à esquerda nas sete quintas.
Agradeci e fui andando. Não foram necessários mais do que alguns passos até que vi uma mulher a chorar sobre leite derramado, um homem com uma corda ao pescoço e outro a entrar por um cano.
Estava eu já nas sete quintas, quando passou por mim uma mulher a engolir um sapo… vivo… Parecia estar com dificuldades para conseguir tal proeza, por isso, tirou do bolso o que me pareceu ser uma tempestade num copo de água. Pegou no copo, aproximou-o do sapo e esperou uns segundos. A tempestade criou um relâmpago que fez o sapo entrar pela garganta abaixo dela.
Fingindo que nada de perturbador se tinha passado, cheguei por fim à praça, onde estava o Testa de Ferro a responder a perguntas do público. Reparei, no entanto, que ele parecia bastante inseguro.
— O Sr. Presidente — perguntava um homem com as barbas de molho — vai decidir o que fazer com os cidadãos que passam a vida a trepar paredes? Eles já são mais que as mães.
O Sr. Presidente andou de um lado para o outro até que se virou para uma pessoa que dava água pelo joelho e que fez ele? Lavou as mãos! Pôs-se de joelhos à frente do tipo, abriu a torneira e lavou as mãos.
Uma senhora, que batia as botas sarcasticamente, gritava:
— Não pode lavar as mãos para sempre, se não decidir o que fazer, pego na sua testa e fervo-a em pouca água!
A população já estava a ficar impaciente, começou a exaltar-se, a aproximar-se cada vez mais do presidente. Vi um homem com uma cabeça de alho chocho a pegar numa forquilha, onde outro homem, este bem mais pequeno, se agarrava com unhas e dentes, uma mulher que tinha um pescoço tão grande que parecia deixá-la com a cabeça nas nuvens a pegar numa foice e outro que abriu o coração para de lá tirar uma lata.
— Bem, isto já é demais — pensei — Estou a ver que aqui não irei conseguir ajuda nenhuma.
Fiz um gesto de despedida que, certamente, ninguém viu, pois estavam todos ocupados a mudar de água para o vinho e voltei para o acampamento improvisado que tinha no meio da floresta à sombra de uma bananeira a evitar voltar à vaca fria.
Sebastião Perestrello, 11º B