Manoel de Oliveira era o realizador mais velho em atividade
“Morreu o Manoel, Viva o Cinema”
Ricardo Trêpa
Manoel de Oliveira nasceu a 12 de Dezembro de 1908, na freguesia de Cedofeita, na cidade do Porto no seio de uma família da alta burguesia. Filho de um industrial e primeiro fabricante de lâmpadas em Portugal, ainda jovem, foi para La Guardia, na Galiza, onde frequentou um colégio de jesuítas. Admitiu ter sido sempre mau aluno. Dedicou-se ao atletismo, tendo sido campeão nacional de salto à vara e atleta do Sport Club do Porto, um clube de elite. Ainda antes dos filmes, veio o automobilismo e a vida de boémio. Cedo se interessou pelo cinema, o que o levaria a frequentar a escola do cineasta italiano Rino Lupo, quando este se radicou no Porto. “Berlim: sinfonia de uma cidade”, documentário vanguardista de Walther Ruttmann influenciou-o profundamente. Teve então a ideia de rodar uma curta-metragem sobre a faina no rio Douro, o seu primeiro filme. “Douro, Faina Fluvial (1931)”, estreado em Lisboa, suscitou a admiração da crítica estrangeira e o desagrado da crítica nacional. Mantendo o gosto pela representação participou, como ator, no segundo filme sonoro português “A Canção de Lisboa (1933)”, de Cottinelli Telmo. Diria mais tarde não se identificar com aquele estilo de cinema popular. Em 1942 aventurou-se na ficção e filmou “Aniki-bobó”, retrato de infância no ambiente cru e pobre da Ribeira do Porto. O filme foi um fracasso comercial mas, com o tempo, daria que falar. Manoel de Oliveira decidiu, talvez por isso, abandonar outros projetos, envolvendo-se em negócios da família regressando ao Alto Douro vinhateiro. Só voltaria ao cinema catorze anos depois com “O Pintor e a Cidade (1956)” em que filmou a cores. A fim de adquirir os conhecimentos necessários para tal experiência, fez uma curta formação nos estúdios da Agfa-Gevaert AG na Alemanha.
Em 1963 fez “O Ato da Primavera”, (peça de teatro popular), iniciando assim, uma nova fase do seu percurso. Esta peça e “A Caça” são obras marcantes na carreira de Manoel de Oliveira. O segundo filme, uma curta metragem de ficção, foi interrompido para conseguir fazer bem o primeiro, incursão no documentário, trabalhado com técnicas de encenação.
Certo atrevimento valeu-lhe a supressão de uma cena por parte da censura. Mais ainda: por causa de alguns diálogos inconvenientes ficou dez dias nos calabouços da PIDE.
A obra cinematográfica de Manoel de Oliveira, até então interrompida por pausas e por projetos gorados, só a partir do filme “O Passado e o Presente (1971)” prosseguiria, sem quebras nem sobressaltos, por uns trinta anos, até para lá do final do século XX, com filmes como: A Divina Comédia; Palavra e Utopia; Porto da minha infância; Um Filme Falado; Francisca; Vale Abraão; Non ou a Vã Glória de Mandar; Mon Cas; Os Canibais; Benilde ou a Virgem Mãe; Amor de Perdição; O Princípio da Incerteza; Party; Cristóvão Colombo, o Enigma; O Gebo e a Sombra; Inquietude; Famalicão; As pinturas do meu irmão Júlio; O Dia do Desespero I e II; entre outros… Em 1982 Manoel de Oliveira fez um documentário auto - biográfico de confissões e memórias. O cenário foi a casa onde viveu desde 1940. O filme só será exibido depois da sua morte. Insistiu sempre em dizer que só fazia filmes pelo gozo de os fazer, indiferente às críticas mais negativas. Levou entretanto uma vida retirada, longe das luzes da ribalta.
Manoel de Oliveira morreu na madrugada do dia 2 de abril de 2015 às 11:30, vítima de paragem cardíaca. Foi considerado o realizador mais velho em atividade. Era também, dos realizadores no ativo, o único que tinha assistido à passagem do cinema mudo ao sonoro e do preto e branco à cor. Manoel de Oliveira já sofria de problemas cardíacos, mas na madrugada de 2 de abril não resistiu e sofreu uma paragem cardíaca. Como ele próprio citou numa entrevista ao Diário de Noticias: "Para mim é pior o sofrimento do que a morte. Pois a morte, é o fim da macacada". Felizmente o realizador conseguiu concretizar o seu último desejo que era "continuar a fazer filmes até à morte". Manoel de Oliveira era tratado por muitas pessoas como " O Mestre" como uma forma de respeito, e por ter vivido muitos anos de cinema.
Como disse o seu neto, o ator Ricardo Trêpa: “Morreu o Manoel, Viva O Cinema”.
PNC – AVES: Palmira Lopes/ Filipe Ferraz/ Mário Guerra