Metade dos hospitais sem prevenção de erro médico

[Notícia apresentada e comentada no âmbito do estudo do erro humano, das suas causas e consequências, na área da Saúde.]

Total de processos por erro ou negligência médica dispararam nos últimos anos. Indemnizações a doentes ultrapassam os 29 milhões de euros.
Apenas 53% dos hospitais públicos têm protocolos de prevenção de erro médico. Estes mecanismos, que resultam de processos de acreditação de segurança e qualidade, dão aos hospitais “menos margem para errar”, disse ao Diário Económico o médico José Fragata, autor do livro “Erro em Medicina”.
O inquérito da Inspecção Geral das Actividades em Saúde (IGAS), que avaliou, em 2009, o erro médico em 68 hospitais do Serviço Nacional de Saúde, conclui ainda que apenas um terço destas unidades de saúde admite ter sistemas informatizados de alerta e prevenção de riscos.
“Vai sempre existir uma taxa de erro, mas quanto melhor e mais seguro for o sistema, menor é a probabilidade de errar”, explicou José Fragata.
De acordo com dados publicados no livro de José Fragata, por cada 100 doentes que recorrem ao hospital, 10 são vítimas de erro médico, ainda que em 65% dos casos sem consequências para a sua saúde. E ainda que em Portugal não exista um registo oficial destes casos, por extrapolação, a partir de estatísticas internacionais, é possível concluir que três mil pessoas morrem anualmente vítima de erro no sistema de saúde português.
Nem todos os casos de negligência médica chegam aos tribunais mas a verdade é que nos últimos anos o número de processos judiciais sobre esta matéria aumentou exponencialmente. Actualmente, o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa está a investigar 81 inquéritos. No primeiro semestre deste ano já deram entrada no departamento dirigido por Maria José Morgado 14 novos processos. O número de acusações também aumentou. Em 2008 o Ministério Público de Lisboa acusou um profissional de saúde, mas no ano seguinte existiram três casos de acusação.
“Os processos têm aumentando consideravelmente, pelo menos no distrito judicial de Lisboa”, garante o juiz desembargador Eurico Reis. E avança duas explicações: “Se por um lado as pessoas têm mais noção do seus direitos, admito também que exista menos controlo da qualidade dos serviços de saúde quer no sector privado, com a proliferação de novas unidades, quer no público onde antes havia um maior controlo interno ligado às progressões na carreira”.
A jurista Vera Lúcia Raposo diz que há alguns anos era difícil encontrar um advogado disposto a defender um doente contra um médico. “Existia um grande ‘lobby’ da classe. Até porque em casos de erro médico a acusação tem de contar com o testemunho de outros médicos, muitas vezes colegas, para provar a culpa”. Hoje, “muitos advogados já não vêem estes processos como uma causa perdida e muitos do processos que chegam a tribunal são bem sucedidos para o doente”, esclarece a professora de Direito da Universidade de Coimbra.
Prova disso é o valor das indemnizações pagas a doentes em processos de erro ou negligência médica. Os pedidos de indemnização aos hospitais públicos em acções judiciais por assistência clínica alegadamente deficiente ultrapassaram os 29 milhões de euros, entre 2005 e 2007, segundo contas da IGAS. Só este ano, o Estado pagou um valor total de 597 mil euros aos seis doentes que cegaram, no ano passado, no Hospital de Santa Maria, na sequência de uma troca de medicamentos na farmácia hospitalar. Walter Bom, o único que ficou sem ver dos dois olhos, recebeu a maior indemnização de sempre em Portugal: 246 mil euros. Até então o valor mais alto atribuído pelo Supremo Tribunal de Justiça, em Março de 2008, foi de 225 mil euros a um caso de negligência médica. Todo o processo dos cegos do Santa Maria, que não chegou a tribunal, “foi exemplar” diz Eurico Reis que presidiu à comissão arbitral de acompanhamento para definir as indemnizações dos seis doentes. “Era bom que este exemplo abrisse um precedente para outros casos”, acrescenta o juiz.
Como se calculam os valores das indemnizações
Para calcular os valores que atribuídos em indemnizações por danos não patrimoniais sofridos por um adulto é seguida uma fórmula que tem em conta vários factores pré-definidos, que têm sido uma espécie de guia orientador para as decisões judiciais. Primeiro são consideradas a idade e a situação profissional do lesado, e depois é feita uma estimativa do rendimento esperado de vida activa, de acordo com o progresso profissional esperado durante a vida activa do sujeito. O sucesso profissional é por isso um dos factores mais relevantes nestes cálculos, porque é a partir dessa ponderação que se estima quanto é que o lesado perde tendo em conta a gravidade do dano. Caso se trate de uma criança as contas são diferentes, porque apesar da esperança de vida ser maior, não há ainda forma de calcular o rendimento que esta poderia vir a ter ao longo da sua vida activa.
Como proceder em caso de negligência
Sempre que uma pessoa considere que sofreu um dano numa instituição de saúde deve recorrer em primeiro lugar ao Gabinete do Utente. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) é outra porta a que o doente pode bater. Neste caso, perante a queixa apresentada, a IGAS tem meios próprios para investigar o caso, o que acontece na maioria das situações. Sempre que considere que se justifica, a IGAS pode comunicar a situação ao Ministério Público passando assim o processo a correr na via judicial. Contudo, qualquer cidadão pode recorrer directamente ao Ministério Público e pedir a abertura de um inquérito. No ano passado foram apresentadas 52.779 queixas de serviços de saúde ao Gabinete do Utente. O tempo de espera foi o motivo mais invocado pelos utentes para a insatisfação.

Data: 15/08/2010. Notícia recolhida por Elisabete Costa Lourenço, n.º 6, em 03/04/2013.
Fonte: jornal Económico, http://economico.sapo.pt/noticias/metade-dos-hospitais-sem-prevencao-de-erro-medico_96918.html

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