(Homenagem a Eduardo Galeano)
A ideia surgiu ao ler texto do autor uruguaio «La casa de las palabras», inserto no seu Libro de los abrazos. O texto foi apresentado ao grupo de escreventes que o achou muito estimulante. Lançaram-se várias possibilidades de entrada nesta curiosa casa. Eis três delas:
_________________
Tinha ouvido dizer que a casa das palavras é uma espécie de… segunda casa para poetas, escritores, jornalistas, bloggers, neologistas, sem esquecer os publicitários, que são dos que mais brincam com elas.
Un día hermoso… estava eu a vagabundear num labirinto sem fim, até que dou de caras com um grande alvoroço. Era uma multidão a entrar e a sair daquela esplendorosa casa, pessoas de vários continentes. Todas elas pretendiam o mesmo: ver, tocar, cheirar, trincar as palavras.
Entrei e… magnífico! As palavras pairavam como uma leve brisa, andavam umas atrás das outras, para formarem neologismos: caminhão-pipa, seguro-emprego e motoboy, enquanto as palavras “caras” eram as mais raras de encontrar. Só consegui ver ao longe a «hecatombe» e a «meticulosa».
Andei por uns minutos, até que uma… pousou em cima do meu nariz. Olhei-a, acarinhei-a, e ela? Olhou-me e ternamente declarou… AMO-TE.
Nesse mesmo segundo, essa palavra ficou presa dentro do meu coração.
Diogo Ribeiro, 11.º B
_________________
Andava eu a deambular por uma livraria no Oeiras Parque, a ver se já havia o livro O Diário do Imortal Nicolas Flamel: A Feiticeira quando encontrei um livro caído no chão. Peguei nele, achando que era o correto a fazer quando reparei no título do texto na página 7: La casa de las palabras. Falava de uma casa aonde as palavras habitavam, guardadas em frascos de cristal. Uma ideia bastante original e engraçada. Depois de o ter guardado passei cerca de meia hora na Worten a “namorar” alguns videojogos mas sempre a pensar se la casa de las palabras existiria realmente.
Ao que parece sempre era verdade. Ficava algures no Uruguai embora não tivesse conseguido encontrar uma localização específica. Dizia-se, no entanto, que apenas as pessoas realmente hábeis numa língua, fosse ela qual fosse, é que sabiam da sua localização. Simples. Liguei à minha professora de Português do secundário, pois ela de certeza que a conhecia, e aliás já a devia ter visitado de tão viajada que é.
«Algures no Cerro Catedral na região de Las Cañas». Foi isto que a Srª Professora me disse. Curioso, apanhei o primeiro avião do dia seguinte para o Uruguai.
Bem me podia ter dito que a casa estava muito escondida porque eu demorei uma semana para a encontrar e fiz várias chamadas internacionais para a Sr.ª Professora a garantir que ela estava realmente naquela montanha e a pedir direções porque ninguém (e eu digo mesmo: ninguém!) é capaz de a encontrar sem instruções MUITO ESPECÍFICAS!!! Mas enfim, lá cheguei, esgotado, depois de duros dias à procura, a uma pequena casa de madeira de aspeto abandonado, humilde e discreta. Eu próprio não achei, ao princípio, que era aquela mesmo a casa, mas a minha guia confirmou-o através da estática da chamada transatlântica. Estranhando, entrei.
Por dentro, a casa fez-me uma confusão enorme. Era BEM maior do que por fora. Dizer que era gigantesca era um insulto, colossal mal chegava aos calcanhares do seu tamanho. O que posso dizer é que a casa parecia poder controlar a dimensão do espaço. Havia prateleiras sem fim até onde a vista já não chegava. Todas elas cheias de frascos de cristal com palavras. Todas elas organizadas por línguas. Todas elas a desejarem ser usadas. Havia mais gente para além de mim dentro da casa, não muita, mas alguma. Julgo que vi alguém lá ao fundo na zona alemã, mas estava tão longe que não tenho a certeza. Reparei que ao meu lado havia uma espécie de segway com um pequeno ecrã que servia de GPS. Certamente para ajudar no transporte pois existem cerca de 6912 idiomas no mundo actualmente e não seria muito agradável ter de andar até ao… Vietnamita, por exemplo. Mesmo assim, de segway ainda é capaz de demorar, mas sempre se cansa menos as pernas. Inseri as instruções e a pequena motorizada começou a andar sozinha. Assim que ficou numa linha perpendicular às prateleiras, o monitor passou uma mensagem a dizer “Agarre-se bem”, umas pulseiras metálicas prenderam-me os pés e as mãos e a máquina acelerou brutalmente. Facilmente chegava aos 300 km/h, as prateleiras já não passavam de borrões castanhos e eu gritava (de alegria, ainda que no início me tivesse assustado). No monitor passavam as línguas, indicando quanto tempo é que faltava até chegar ao destino. Ainda sorri quando reparei que também tinham o dialeto do Mirandês mas, quando cheguei e vi aquele grande placard a dizer “Português” eu pensei: “Que palavra é que procuro?”.
Larguei o segway e decidi apenas deambular a ver o que encontrava. No “A” reparei na palavra “adorável” e através do cristal podia-se ver um vocábulo muito fofo e de uma cor tão doce, a pedir, numa voz muito bonita e bem… adorável… para a utilizar. Não resisti a não dizer o seu nome. Riu-se de uma forma encantadora e agradeceu. Não sabia que as palavras eram assim. Ainda me assustei ao abrir o frasco do “barulho”, levei um murro da palavra “mau” (erro meu, por sequer pensar que nada me aconteceria ao abrir aquele frasco). Achei que a palavra “maquiavélico” estava a engendrar um plano para me matar e deliciei-me com a palavra “chocolate” (pena que não possa ficar com ela para sempre). Bem, ainda reparei na “fineza” da “aristocracia” e que a palavra “bonito” pareceu estar a ganhar algum pó, mas devido a trapalhice minha, deixei cair o frasco da palavra “farisaico” que se desfez por completo. A palavra, que parecia bastante feliz no seu lugar, desapareceu num instante assim que a oportunidade apareceu. Como vim a perceber nas semanas seguintes, a palavra aproveitou para se infiltrar nos vocabulários de todos e forçar a sua utilização, independentemente de ser bem empregue ou não.
Achei melhor ir-me embora depois deste acidente, no entanto, a minha consciência não me permitiu partir sem antes deixar um bilhete no local onde estava a palavra, a pedir desculpa pelo sucedido e para me telefonarem caso fosse necessário pagar pelo frasco.
Ainda hei-de voltar lá um dia destes, fazer uma pesquisa a sério, aprender novas palavras para os textos que gosto de escrever, de vez em quando, em português e em inglês, mas também para voltar a andar naquele segway. Uííííííííííííííííííííííííí!!!…
Sebastião Perestrello, 11.º B
___________________
A balbúrdia estava instalada, as palavras estavam todas desordenadas, todas corriam de um lado para o outro à procura dos seus sufixos ou prefixos para se unirem de novo e encherem os frascos correspondentes. Sim, porque nesta casa as palavras vivem dentro de frascos.
A Alegria tinha dado uma festa, seria o seu aniversário, mas como já lhe perdeu a conta chamou apenas o Bailarico para pôr todos a dançar.
Mas a hora das visitas aproximava-se e «não é nada de bom tom receber os nossos ilustres utilizadores com esta desarrumação!»- refilam as palavras chiques: o Glamour e o Charme.
Já com tudo em ordem, quando a última palavra, a Fama, se recolhe espalhando o seu brilho pelo salão, o Silêncio toma conta da casa.
O relógio bate quatro horas certas, ouvem-se passos no corredor, a maçaneta da porta roda, e como já era habitual às quartas-feiras, entram os especialistas mais esperados pelas palavras, os escritores, e principalmente os poetas.
As palavras dentro dos frascos agitavam-se. Todas queriam ser escolhidas por estes especialistas, pois eles fazem maravilhas com elas e tornam-nas conhecidas. O que era óptimo para os neologismos, mas péssimo para os arcaísmos que ao ver os especialistas a pô-las de lado, se juntam num só frasco, decidem abrir um pequeno consultório para partilhar com todas as palavras mais novas as suas experiências de vida e aconselhar-lhes caminhoz de sucesso.
Para escolher as palavras, os poetas abriam frasco a frasco, mergulhavam a pontinha do dedo, experimentavam com a ponta da língua e só eram escolhidas as mais docinhas ou as mais amargas consoante o estilo de texto e o que se queria transmitir ao leitor. Os outros escritores apenas as cheiravam e reconheciam as desejadas só pelos seus aromas. Embora não sejam todas escolhidas, as palavras não desanimavam até porque todos estes dedos e todos estes narizes provocavam-lhes cócegas e toda a sala se enchia de todo o tipo de gargalhadas, gargalhadas essas que os especialistas da língua não conseguiam ouvir, pois o revestimento dos frascos não o permitia.
Mas um dos escritores ao cheirar um dos frascos, como o aroma era bastante forte, espirrou e deixou-o cair. As palavras espalharam-se pelo chão e agitadas não paravam de se empurrar, de gritar e de tentar entrar no frasco onde se sentiam protegidas. O escritor agora tinha a certeza que as palavras não estavam mortas, que afinal estavam bem vivas. E assim foi desvendado o segredo das palavras. O escritor apressado saiu e mais uma vez o silêncio tomou conta da casa.
Resolveu o escritor pôr ao corrente da sua descoberta alguns colegas, mas rapidamente um jornalista o interrompeu: «as palavras estão vivas? Ora aqui está um bom segredo para a minha próxima publicação».
«Segredo?» pergunta um dos poetas presentes na sala, «não há segredo nenhum, no fundo todos nós já o sabíamos, claro que as palavras estão vivas. Tal como os seres vivos elas nascem, crescem reproduzem-se e morrem. A nossa função é essa, assegurar as suas vidas o seu crescimento até as gastar. Quem acha que as palavras não vivem está muito enganado, mas não lhe contes esse segredo maravilhoso deixa-os descobrir por si mesmo e aprender a ouvir os que as palavras lhes querem dizer e pode ser que um dia venham a ser mais a criá-las e a fazer com que cresçam.
Maria da Graça, 11.º B