O ponto de partida foi este verso de Ondjaki : «Convidei a chuva para o meu poema». Pediu-se aos alunos que convidassem entidades especiais e que as recebessem no seu texto, essa sala privilegiada para acomodar a fantasia. Eles contam-nos as suas extraordinárias experiências de anfitriões do Atrevimento, do Silêncio, da Alegria, do Sol.
Convidei o Atrevimento para o meu texto.
Tinha programado um jantar requintado, em que ele era o convidado especial. Esperava que fosse uma verdadeira gala.
Estava quase tudo pronto: os pontos nos «-is»; as palavras a conversarem por ordem frásica; os parágrafos instalados salteadamente. Faltava apenas o tão esperado convidado especial. Tocaram à campainha.
– Finalmente! Entra! Estava ansiosa pela tua chegada!
– Desculpa, cruzei-me com a distância! Demorei um bocado a despachá-la!
– Entra, que já estão todos à tua espera.
Seguiu-me até ao texto. Deixei-o acomodar-se junto ao restante vocabulário. Fui buscar os dois ingredientes principais da refeição dessa noite: lápis e papel. Quando voltei ao ponto de encontro, o Silêncio tinha ido embora, voltando na vez dele o divertido, embora por vezes incomodativo, Barulho. Pareceu-me que estavam todos a ter grandes diálogos, no entanto só consegui transcrever palavras soltas.
Era hora de jantar, por isso anunciei-o.
Sentámo-nos à volta da narrativa. Eu estava sentada entre duas vastas palavras: a Inspiração e, claro está, o Atrevimento! Reparei que a Inspiração não estava muito para conversar, mas o Atrevimento resolveu logo essa questão. Ele não se calava. Falava de tudo, e à medida que o tempo ia passando a Inspiração ia “animando”. A certa altura parecia que já nem se lembravam que eu estava ali. Estava a ser totalmente ignorada, mas não me importei, pois assim tinha mais tempo para tomar as minhas notas. Ainda tentei intervir na conversa, mas logo me calaram, continuando com o seu diálogo interminável.
Matilde Velloso, 10.º B
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Convidei o Silêncio para o meu texto…
…Ouvi a campainha de pontuação a tocar, por travessura do seu inimigo Barulho. Segundo ele me disse por telepatia, a única maneira que usa para conversar. Para evitar o regresso do seu inimigo convidei-o a entrar utilizando o mesmo método de comunicação e pedi para se sentar no meu sofá de palavras, enquanto lhe trazia um lanche de travessões e uma bebida de apóstrofes. Ele vinha vestido no seu traje habitual, um casaco de parêntesis preto, umas calças de tremas escuros, um chapéu preto ao estilo dos filmes de detectives antigos e uns ténis de letras brancas sem sentido, a condizer.
Durante a refeição perguntei-lhe pelo Sossego, a Calma e a Tranquilidade que também convidei; contou-me que o Sossego tinha de trabalhar até mais tarde na Shiu! Lta. e que não podia vir, e que a Calma vinha cá ter depois de terminar o seu jogo de golfe, mas não sabia da Tranquilidade. Provavelmente estava nalgum bosque a passear, coisa que ela tanto aprecia, e não reparou nas horas. Pouco depois apareceu a Calma a bater na porta de tis. Depois de todas as cordialidades próprias de pessoa educada, reparámos que a Tranquilidade estava a demorar bem mais do que o costume, por isso, decidimos procurá-la, talvez no parque de frases que havia ao pé da casa dela, mas, deparámo-nos com um problema logo que saímos de minha casa. O Barulho apareceu com a sua prima Chinfrineira e o seu irmão mais velho, o Estrondo, a pregar partidas ruidosas a todos os que passavam, utilizando buzinas de carros de asteriscos, miúdos a gritar, televisores de cardinais em montras com o volume no máximo… Qualquer coisa que faça som numa cidade de textos. Felizmente não tivemos que nos deparar com eles, pois havia uma paragem de autocarros de underscors à prova de som quase à porta da minha casa, e nós apanhámos um. No parque, ela não estava, por isso seguimos para o pequeno bosque que havia fora da cidade. Por alguma razão ela tinha a sua casa na ponta da cidade. Demorámos cerca de uma hora para a encontrar deitada de barriga para cima, no chão, a dormir perto de uma árvore. O Silêncio, que tinha uma paixão de longa data por aquela bela criatura, voltou a cara discretamente ao vê-la assim, corando.
-O que fazemos agora? – Perguntou de imediato o Silêncio – Se a acordarmos ela vira Fúria, se não, ela é capaz de só acordar à noite; ela tem medo do escuro.
-Tens razão. Temos de pensar e… – Ia a Calma a responder quando um barulho altíssimo que não reconheci a interrompeu. Tão alto que o Silêncio fugiu para trás de uma árvore no sentido oposto do som, a tapar os ouvidos, onde a intensidade era menor (a diferença era menos de 0.000001 decibéis, mas tudo conta para os ouvidos do Silêncio).
Mais uma vez era o Barulho.
-Teimoso, o tipo – pensei, no entanto, meio segundo depois lembrei-me da Tranquilidade e desatei a correr na direcção dele antes que ela acordasse; podia ser um idiota, mas não merecia ter de levar com ela, ninguém merecia.
Bem tentei pará-lo, mas não consegui, ia a dar-lhe um murro por ele não dar ouvidos aos meus avisos, provavelmente por desespero de não querer ver a Fúria, quando ela acordou. Os seus olhos verdes viraram um branco quase ofuscante e o seu cabelo castanho claro parecia que flutuava no ar como as ondas do oceano. Percebi que não havia nada a fazer e fugi para perto do Silêncio.
O Barulho não devia saber o que se passava nem com quem se estava a meter…
Sebastião Perestrello 10.º B
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Convidei a Alegria para o meu texto
Chegadas as 5 horas da tarde, a campainha tocou e quando abri a porta, entrou-me a Alegria pela casa dentro. Vinha com um sorriso estampado na cara e vestida de cores garridas. Cumprimentei-a e levei-a para o meu texto. Convidei-a a sentar-se no meu parágrafo, a recostar-se nos meus adjectivos e a beber o batido de boas energias que tinha preparado para ela.
Como estava frio, chegámo-nos perto da lareira a apreciar a tristeza a arder e a libertar fumo. A Alegria sorria de contentamento enquanto saboreava a sua bebida. Começámos por pôr a conversa em dia. Ela contou-me que agora tem andado muito atarefada. Todas as pessoas lhe imploram para que as visite diariamente – contava ela, enquanto se deliciava com o seu agradável batido, até que perguntou: Será que algum dia irei encontrar um ponto final? Eu disse-lhe que em princípio não, porque ela é um bem essencial para a vida das pessoas. E se depender de mim nem vírgulas encontrará. Aliás esteve muito ocupada comigo a contar-me histórias das suas irmãs Alacridade, Fortuna, Ventura, Felicidade, Satisfação, Exultação e também dos seus irmãos, Gáudio, Júbilo, Contentamento e do Êxito. Ficámos horas, dias semanas juntas, até que ela tinha de ir visitar outros textos.
Agradeci a visita dela. Foi uma tarde agradável e que espero tornar a repetir.
Ana, 10.º B
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Convidei o Sol para o meu texto, para me iluminar e me encher de ideias.
Está atrasado, mas disse que vinha. Quando os seus raios penetrarem no meu cérebro, lembrar-me-ei de algo para escrever. Espero que não tarde muito. Está a começar a arrefecer.
… … … … … … … … … … … … … …
O Sol quis jogar às escondidas. Escondi-me atrás das palavras mas ele depressa me apanhou. Quando foi a vez dele, escondeu-se atrás das nuvens. Achei injusto, porque me é impossível alcançá-lo ali. Chamei-o de volta para o meu texto. Voltou mais radiante, com aquele brilhozinho nos olhos, todo contente por ter ganho, e um sorriso de raio a raio. A luz que saía da sua face irritou-me profundamente. Não gosto de perder. Apeteceu-me extinguir-lhe o fogo com palavras frias (gelo, neve, frigorífico, Sibéria…), mas há que tratar bem os convidados. Na verdade, eu nunca consigo ficar muito tempo zangada com o Sol. Ele consegue sempre derreter-me a alma e passado um bocado acabei com a birra.
De repente, chamou-me a atenção a Chuva lá fora. Vou contar-vos um segredo. Embora seja difícil de acreditar, a verdade é que o Sol está perdidamente apaixonado pela Chuva. Ele quis logo ir ter com ela, mas a Chuva tem namorado, o Arco-íris, e este logo apareceu para mandar o Sol embora. Voltou para junto de mim com um ar muito abalado. Disse que não estava em condições de brilhar mais, despediu-se e foi-se embora. Logo a seguir apareceu a Lua e trouxe consigo a noite. Estava cansada e deitei-me. Ali, na minha cama, sentia os meus olhos a fechar, a abrir, a fechar… Vi-me num novo mundo: o mundo dos sonhos.
Fátima Cartaxo, 10.º C